Monday, October 23, 2006

A difícil tarefa

Às vezes antes de dormir, escuto uma voz dentro de minha cabeça, que me impele a agir de uma determinada forma, por assim dizer, correcta e justa. É uma espécie de esquizofrenia-moral. Supostamente saudável, essa espécide de grilo-falante invisível, converte-se em um flagelo que pode, entre outras coisas, privar-me de meu sagrado (e geralmente descontínuo) sono. Tal mazela conduz-me a escrever textos como este ao meio da noite.

Sempre tenho estado buscando uma resposta ao porquê de tal "sensação" ou agouro, tentando identificar um culpado por sua gênese. Com muito esforço, conseguí reduzir uma ampla lista a 3 factores básicos: 1)anos de injecção de um sentimento de culpa moral, fruto da chamada "educação católica"; 2) um sentimento de lógica humana geral (common sense), que poderia elevar-me à condição de profeta, caso lhe desse mais ouvidos; 3) (numa mistura dos pontos anteriores) a noção de que ao pertencer a uma classe melhor favorecida, em meio à miséria reinante no meu país de origem, ser-me-ia incumbida uma espécie de tarefa de ser um paladino da justiça e igualdade.

Ao falhar em estabelecer uma prioridade - se identificar o que é e como resolver/eliminar tal situação, ou se buscar um culpado e livrar o peso que sinto em minhas costas - sigo sofrendo. Uma vez mais, poderia aplicar o paradoxo do ovo e da galinha. Parece que as coisas são todas cíclicas e que tudo ao final, volta ao mesmo.
O sinal regressa à origem. Mas será assim sempre?

Todo esse tema volta a relacionar-se com manipulação. Em que medida sou levado a crer e agir segundo uma lógica alheia e contrária aos meus impulsos naturais? O que é inato e o que é fruto de catequese e dominação? Como ser coerente numa realidade cada vez mais cínica e hipócrita, onde os valores estão muitas vezes invertidos em nome do imediatismo? POrque afinal isso estaria errado?

Parece-me que cada vez mais, o dilema consiste em equilibrar as esferas pessoal (individual, celular) e colectivas (núcleos). Em que medida posso por a minha satisfação pessoal e imediata à frente do moralmente correcto estabelecido nítidamente em nome de um bem-estar colectivo - e que ao mesmo tempo, reverte-se a meu próprio benefício? Existe, sempre, uma tênue linha que separa o egoísmo do altruísmo (e vice-versa). E, a meu ver, por mais maquiavélico que tal pensamento possa ser, não vejo nada de errado com isso.

De certa forma, às vezes porto-me como um monge. Um monge que flagela-se a chicotadas por querer e afinal, não fazer aquilo que lhe dá nas ganas, culpando-se por ter certas idéias e impulsos. Pagando pelos erros de outros e decidindo não repetí-los.

O pior é que farto-me de enxergar conteúdos ultra-moralistas em obras de escritores que tanto aprecio e que de certa forma, profetizam um estilo de vida subversivo - segundo a óptica cristã anteriormente mencionada. Bukowski, Kerouac, Cohen, ... Todos eles redimem-se passando-nos divagações próprias acerca de seus excessos cometidos. Entretanto, tais excessos consistiam não em excessões, mas em regras comportamentais suas.

Que falta faz afinal manter uma "coerência" (moral)? Será isso apenas que nos caracterizaria por indivíduos? Como sê-lo, então, possuindo os mesmos valores?

Luke Rhinehart, em seu livro "o homem dos dados", propõem-nos imaginar um homem livre de amarras ditadas pela sua educação e origem. Ditado simplesmente pelo acaso e pelo seguir de seus impulsos primordiais, esse fulano seria, supostamente livre e mais são que os demais. Uma espécie de solução definitiva à multitude de factores e incógnitas com os quais devemos confrontar-nos no mundo "actual"(o livro foi escrito nos anos 50 do século XX), que nos apresenta situações de natureza caótica e de resolução contraditória - por vezes, esquizofrênicas até.

Ao vomitar tais pensamentos, que quase sinto como que não sendo meus, mas adquiridos por uma estranha osmose, provenientes do meu dia-a-dia; sinto haver calado/acalmado tal zumbido. Ao menos por hoje. Espero lograr em dormir bem. Amanhã é segunda-feira, e começo a ceder à paranóia colectiva que a fronteira ultrapassada do domingo supõe.

Sweet dreams e uma boa semana. Black holes & revelations aproximam-se.

1 comment:

Roberto Mello said...

Só toma cuidade de achar que vc tem que carregar toda a dor do mundo nas costas, numa espécie de messias...
Eu durante muito tempo meio que agi assim.